domingo, maio 15, 2005

"Cativa-me!"

Foi então que apareceu a raposa.
- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu delicadamente o principezinho, que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui, disse a voz, sob a macieira.
- Quem és tu? perguntou o principezinho. És bem linda...
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, disse o principezinho. Estou tão triste...
- Não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.
Mas, depois de ter reflectido, acrescentou:
- O que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui, disse a raposa, o que é que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer "cativar"?
- Os homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam. É bem incómodo! Também criam galinhas. É a única coisa interessante que sabem fazer. Estás à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho, procuro amigos. O que é que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços...".
- Criar laços?
- Isso mesmo, disse a raposa. Para mim não passas ainda de um rapazinho muito parecido com cem mil rapazinhos. E não precso de ti. E tu também não precisas de mim. Para ti sou apenas uma raposa semelhante a cem mil raposas. Mas, se me cativares, teremos necessidade um do outro. Para mim serás único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender, disse o principezinho. Há uma flor... creio que ela me cativou...
- É possível, disse a raposa. Vê-se de tudo sobre a Terra...
-Oh! não é na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu muito intrigada:
- Noutro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Isso é interessante! E galinhas?
- Não.
- Não há nada perfeito, suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua ideia:
- A minha vida é monótona. Caço galinhas e os homens caçam-me. Todas as galinhas são parecidas umas com as outras e todos os homens são parecidos uns com os outros. Por isso aborreço-me um pouco. Mas se me cativares a minha vida ficará como que iluminada pelo sol. Conhecerei um ruído de passos que será diferente de todos os outros. Os outros passos fazem-me meter debaixo da terra. Os teus, chamar-me-ão para fora da toca como uma música. (...)

- O que é que é preciso fazer? disse o principezinho.
- É necessário ser paciente, respondeu a raposa. Sentas-te primeiro um pouco longe de mim, assim, na erva. Eu olhar-te-ei pelo canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, poderás sentar-te um pouco mais perto...

"O Principezinho"
Antoine De Saint-Exupéry